Uma tradição ininterrupta

 

Há 60 anos, o Concílio Ecumênico Vaticano II, promulgando a Constituição que se inicia com as palavras Sacrosanctum Concilium, lançou os fundamentos da reforma geral do Missal Romano: ele estabeleceu, primeiramente, que os textos e ritos sejam ordenados de modo a exprimirem mais claramente as realidades sagradas que significam (SC 21); depois que o Ordinário da Missa seja revisto para manifestar melhor o sentido de cada uma de suas partes e a conexão entre elas, e para facilitar a participação piedosa e ativa dos fiéis (SC 50); que se prepare uma mesa mais abundante da Palavra de Deus, abrindo-lhes largamente os tesouros bíblicos (SC 51); enfim, que se elabore o novo rito da concelebração a ser inserido no Pontifical e no Missal Romano (SC 58). Esta renovação do Missal Romano não foi feita de modo improvisado, pois o seu caminho foi preparado pelo progresso das disciplinas litúrgicas dos últimos séculos.

A principal novidade da reforma está na chamada Oração Eucarística. Embora, no Rito Romano, a primeira parte desta oração, o Prefácio, tenha conhecido diversos formulários através dos séculos, a segunda parte, que é chamada de Cânon da Ação, conservou sempre a mesma forma que foi fixada entre os séculos IV e V. Quanto ao Ordinário da Missa, alguns aspectos foram simplificados, conservando-se cuidadosamente a substância. Deixou-se também de lado “tudo que foi duplicado no decurso dos tempos ou acrescentado sem verdadeira utilidade”, sobretudo nos ritos da oblação do pão e do vinho, da fração do pão e da comunhão. Assim foram restaurados, segundo a primitiva norma dos Santos Padres, alguns ritos que tinham caído em desuso (SC 50), tais como a homilia (SC 52), a oração universal ou dos fiéis (SC 53), e o rito penitencial ou de reconciliação com Deus e com os irmãos no início da Missa, devidamente valorizado.

A pré-história do MR funda suas raízes na narrativa de uma celebração eucarística do segundo século, escrita por São Justino, mártir († 165), e na Tradição Apostólica, atribuída a Hipólito romano († c. 236), escrita por volta de 215/17, testemunhas de um período de improvisação litúrgica, e se estende até a compilação dos libelos, ou folhetos, da catedral de São João do Latrão, em Roma, os quais continham as orações presidenciais para uma celebração eucarística, numa obra chamada de Sacramentário Veronense, e passa pelos primeiros sacramentários: o Gelasiano Antigo (Gelasianum Vetus), o Gregoriano e o Gelasiano na Gália, atual França. Ela também abarca o nascimento dos primeiros lecionários, dos graduais e dos Ordines (diretórios litúrgicos). A multiplicidade de livros testemunha uma celebração litúrgica entendida como uma sinfonia onde cada ministro – bispos, leitores, diáconos, cantores – exerce o seu próprio ministério e o povo participa ativamente por meio de aclamações, cantos, oferta e comunhão.

O Missal, propriamente dito, vem à luz a partir do século IX, no ambiente franco-germânico. A evolução da eclesiologia vai concentrando lentamente a ação litúrgica nas mãos do “sacerdote”, daí, entre outras coisas, o crescimento das missas privadas, o que leva à necessidade de um único livro contendo todos os textos de que um único ministro precisava para que ele pudesse “dizer a sua missa”. Na descrição ritual, a atenção se concentra no papel do “sacerdote celebrante” e muito menos nos ministros, e muito menos ainda na assembleia, que termina por desaparecer completamente, inclusive das rubricas. A partir do século XI, o “celebrante” se sente no dever de ler/recitar a baixa voz os textos cantados pelo coro e as leituras feitas pelos subdiáconos e diáconos. No século XI nasce, efetivamente, o Missal, chamado plenário. Os monges foram os primeiros a usarem esses livros e, por seu intermédio, esse novo tipo de livro litúrgico entrou na Itália. É nesse contexto que nasce o Ordo Missae (Ordinário da Missa). O Ordo utilizado pela Cúria Romana no tempo dos papas Inocêncio III (papa entre os anos de 1198 e 1216) e Honório III (papa entre os anos de 1216 e 1227), demostra que o sistema germânico já estava consolidado em Roma no séc. XIII.

 

Comissão Episcopal para a Liturgia

Referências bibliográficas

PAULO VI, Constituição Apostólica Missale Romanum, in Missal Romano. 3.ed. Brasilia: Ed. CNBB, 2023, p. 15-17.
PEREIRA, J. O Missal Romano: livro do povo de Deus em oração, in Revista de Liturgia, n. 289, jan./fev. 2022, p. 4-9.

SORCI, P. Il messale romano come strumento della tradizione celebrativa, in GIRAUDO, Cesare (ed.). Il messale romano: tradizione, traduzione, adattamento. Roma: Ed. Liturgiche, 2003, p. 37-78.

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